Transcrição extraída do Mensageiro da Paz, Ano XIII, Nº 24, 2ª Quinzena de Dezembro de 1943.
“Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigo entre os falsos irmãos” (2 Co 11:26).
Ao tentar escrever algo sobre minhas experiências na obra do Senhor, no Estado da Bahia, vou narrar algo sobre minha primeira viagem a esse Estado.
Como os irmãos no Brasil sabem, eu e minha esposa trabalhamos muitos anos em Maceió, capital do Estado de Alagoas. Creio que foi no ano de 1924 que recebemos uma carta de Canavieiras, sul da Bahia, que uma irmã do Estado do Pará havia escrito. Essa irmã havia feito a longa viagem do Pará ao sul da Bahia para testificar de Jesus a seus parentes. Na referida carta, a irmã Joaquina pediu-me que fizesse todo o possível para ir até lá ajudá-la, pois havia bastante gente interessada no Evangelho.
O amor de Deus ardia no meu coração, e tanto eu como minha fiel esposa estávamos prontos para fazer qualquer sacrifício para a obra do Senhor.
Um belo dia, despedi-me de minha amada esposa e minhas três filhinhas e embarquei com destino ao sul da Bahia, confiando nAquele que disse: “Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura…”. O dinheiro para a viagem não era abundante, mas eu tinha a promessa na Bíblia de que Deus supriria todas as necessidades segundo Sua riqueza em Cristo Jesus.
Chegando a Salvador, fui informado de que o vapor para Canavieiras havia saído um dia antes da minha chegada, e agora não teria outro antes de 15 dias. Que fazer? Orei ao Senhor e, depois de três dias, tomei um vapor para Ilhéus, chegando assim um pouco mais perto. Tive que esperar três dias e, então, tomei uma pequena barca ou bote à vela para Comandatuba, uma pequena povoação no meio do caminho entre Canavieiras e Ilhéus. Ao chegar fora da barra, não havia vento, e por cerca de dois dias ficamos balanceando no mar, sem ir a lugar algum. Por fim, chegamos a Ilhéus; aluguei uma canoa, na qual viajei cerca de 15 horas, em perigo no rio. Depois dessa última viagem, cheguei a Canavieiras, onde encontrei a irmã que me havia escrito. Ela ficou contente e disse-me que estava me esperando há alguns dias e que agora iríamos subir o rio Salsa. Quando fui informado de que ainda tínhamos que viajar para mais longe, fiquei triste, pois já havia sofrido bastante na viagem que durara dez dias. Perguntei-lhe: “Por que não escreveu isso na sua carta?” “Não,” disse ela, “porque então talvez o irmão não viesse.”
Não havia outra coisa a fazer senão me conformar e continuar a viagem, outra vez, por mais 25 horas rio acima. Por fim, chegamos a um lugar onde ficamos trabalhando para o Senhor durante dez dias, deixando uma pequena congregação. Quando partimos, atravessamos as matas e chegamos ao rio Jequitinhonha, pelo qual subimos. Ficamos em outro lugar por mais dez dias, testificando do amor de Jesus. Muitos creram no Senhor Jesus e em toda a Palavra de Deus.
Durante esse tempo, já havia sofrido muito naquelas paragens; havia verdadeiros enxames de mosquitos que transmitiam malária e outras doenças. Quando começamos a viagem de volta, já não me sentia bem. Os mosquitos haviam injetado esse veneno terrível no meu corpo.
Do rio Salsa para Canavieiras, fiquei deitado numa canoa apertada, ardendo em febre e com grandes feridas nos braços e nas pernas, resultado das picadas dos mosquitos.
Quando cheguei à capital baiana, hospedei-me numa pensão e pensei que não mais veria minha querida família, minha esposa e filhinhas, que eram tão caras para mim. Para levar a boa semente à Bahia, quase me custou a vida. Porém, Deus, em Sua misericórdia, viu que minha família ainda precisava de mim, e Ele ainda me queria mais algum tempo na Sua obra; por isso, ajudou-me a chegar à minha casa, em Maceió. Minha esposa não recebeu o esposo forte e robusto que havia saído dois meses antes para a Bahia, mas um esposo quase morto pela febre e pelas feridas.
Com muito cuidado e atenção, que só uma boa esposa pode dar, e com as fervorosas orações dos irmãos, fui curado outra vez, e a gloriosa obra e a verdade em que cremos de todo o nosso coração foi levada à Bahia, para onde nos mudamos em 1930, trabalhando ali até o ano de 1937, quando Deus enviou o irmão Missionário Aldor Pettersson, que desde então tem continuado a obra do Senhor, e onde hoje, pela Graça de Deus, floresce uma gloriosa obra, tanto no sul, como no centro e norte daquele grande Estado.
Pastor Missionário Otton Nelson (1891-1982)
Foi líder da Assembleia de Deus nos estados de Alagoas, Bahia e Rio de Janeiroe e tambem foi presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil
Nota:
A localidade que o Pastor Otto Nelson visitou durante essa primeira viagem missionária era Os Correias, situada na região de Boca do Córrego. Esse local é historicamente significativo, pois foi onde nasceu a Assembleia de Deus na Bahia. Para mais detalhes sobre essa história marcante, confira o artigo “Boca do Córrego: O Berço da Assembleia de Deus na Bahia”.
Créditos
Este trabalho é fruto da pesquisa e dedicação do Pastor Gideão Silva Santos, de Salvador, Bahia, responsável pela localização das edições do Mensageiro da Paz que registram esses relatos históricos. A extração e estruturação das informações foram realizadas pelo Pb. Miquéias Reale, de Valença, Bahia, visando compilar e organizar o material para preservar a memória da expansão da Assembleia de Deus na Bahia.
ANEXO: Linha do Tempo da Viagem Missionária de Otto Nelson à Bahia (1924)
- Início da Viagem: Otto Nelson deixa sua esposa e filhas em Maceió e embarca com destino ao sul da Bahia, motivado pelo pedido de ajuda da irmã Joaquina Carvalho, que estava evangelizando seus parentes na região de “Os Correias”.
- Chegada em Salvador: Ao chegar à capital baiana, Otto descobre que o vapor para Canavieiras havia partido e o próximo sairia apenas em 15 dias. Ele decide pegar outro transporte para aproximar-se de seu destino.
- Trajeto até Ilhéus e Comandatuba: Otto viaja de Salvador para Ilhéus e, após três dias de espera, embarca em uma pequena embarcação a vela para Comandatuba. Ele fica à deriva no mar por dois dias devido à falta de vento, mas finalmente chega ao destino. De Comandatuba, ele segue por cerca de 15 horas de viagem em uma canoa, navegando pelos rios e manguezais até alcançar Canavieiras.
- Chegada a Canavieiras e Subida para “Os Correias”: Em Canavieiras, Otto encontra Joaquina, que lhe explica que ainda terão uma viagem rio acima. Resignado, ele e Joaquina enfrentam uma travessia de 25 horas pelo rio Salsa para alcançar “Os Correias”.
- Permanência em “Os Correias”: Otto e Joaquina passam dez dias em “Os Correias”, onde Otto prega e deixa uma pequena congregação formada. Nesse período, Teodoro, presbítero da Igreja Batista local, aceita a mensagem pentecostal, um marco importante para a futura comunidade da Assembleia de Deus na região. A conversão de Teodoro solidifica o grupo inicial de crentes que se estabeleceria ali.
- Viagem para Boca do Córrego: Após o trabalho em “Os Correias”, Otto e Joaquina atravessam as matas e chegam ao rio Jequitinhonha, pelo qual sobem até Boca do Córrego.
- Permanência em Boca do Córrego: Otto passa mais dez dias em Boca do Córrego, onde também prega a mensagem pentecostal e forma outra pequena congregação. Muitos moradores locais aceitam a mensagem, e a semente do pentecostalismo é plantada nessa comunidade. Durante esse tempo, Otto sofre com picadas de mosquitos que lhe transmitem malária e outras doenças.
- Retorno para Canavieiras: Com sua saúde debilitada, Otto inicia a jornada de volta para Canavieiras em uma canoa, onde fica deitado devido à febre e às feridas causadas pelas picadas de mosquitos.
- Viagem de Retorno a Maceió: De Canavieiras, Otto retorna a Salvador e, depois, a Maceió, onde chega gravemente doente. Sua esposa cuida dele, e com a ajuda de orações, Otto é curado e recupera sua saúde.
Resumo do Tempo de Permanência em Cada Localidade
- Canavieiras (parada inicial antes de subir o rio Salsa) – Apenas de passagem.
- “Os Correias” – 10 dias de pregação e formação da primeira congregação.
- Boca do Córrego – 10 dias de pregação e fundação de outra congregação.
- Viagem de retorno – Cerca de dois meses desde a saída até o retorno a Maceió, incluindo as travessias e o tempo total em terras baianas.